Palavras que dizem muito...
Fragmentos do livro "Fazes-me falta" de Inês Pedrosa
Fonte: PEDROSA, Inês. Fazes-me falta. Rio de Janeiro: Objetiva, 2010.
Comecei a desaparecer
no dia em que os meus olhos se afundaram nos teus. Agora que os teus olhos se
fecharam sei que não voltarás a devolver-me os meus (PEDROSA, 2010: 12).
Vive-se melhor a
inventar a verdade todos os dias, dizem-me. Faz de conta que não morres. Faz
lá. Nós os dois queríamos inventar tudo menos a verdade (PEDROSA, 2010: 16).
(...) sabíamos de cor o
corpo um do outro (...). Sem dormir contigo, aprendi de ti as vitórias e
misérias de um homem, o rigor turbulento do prazer, o pavor de falhar, a
relatividade das entregas como regra de entrega absoluta (PEDROSA, 2010: 20).
Não me chores, meu
querido: o melhor de mim vive ainda em ti, sempre viverá nesse saber da fratura
que me faltou, nessa coragem da incompletude que só deste noante consigo
finalmente ver (PEDROSA, 2010: 25).
Se ao menos te tivesse
dito “Obrigada”. Deus da minha imperfeição, entorna um mililitro da minha voz
morta nos sonhos do meu amigo, deixa-me dizer-lhe esse obrigada que tanta falta
me faz (PEDROSA, 2010: 25).
Qualquer dia olho para
ti e já não sei quem fomos - encontros, desencontros, iras, ressentimentos,
tudo se transforma numa massa fosca, pesada, que abandono a pouco e pouco
(PEDROSA, 2010: 34).
Precisava de escangalhar
o teu coração para o fazer encaixar no meu. E agora tenho que o desencaixar
outra vez para sair do limbo. Mas não sei como. Sem o teu coração não consigo
amar – não me abandones outra vez (PEDROSA, 2010: 34).
Ando à caça de palavras
resplandecentes, tropeço nelas dentro e fora da vida, interpreto, magoo-me,
interpreto outra vez, sujo-me, borro a pintura da cara que não tenho, das caras
que fui desenhando sobre a cara que me faltou (PEDROSA, 2010: 47).
Nesse tempo, o futuro
era o que excedia a imaginação. Agora, o futuro não existe; o tempo foi
substituído pelo espaço onde tudo o que foi converge com tudo o que será. A
isso se chama ser contemporâneo (PEDROSA, 2010: 81).
Juntos, éramos um só
ampliado pelo menos duas centenas de vezes. Não precisávamos de mais ninguém
(PEDROSA, 2010: 94).
Mas agora que o meu
país és tu, já não tenho saída. Há cem milhões de estrelas, só na nossa
galáxia. E em todas elas o teu olhar existe, cintilação fria da mentira de mim
(PEDROSA, 2010: 96).
Lembro-me, sim, do odor
do teu corpo, uma mistura excitante de rosas, canela e sexo (PEDROSA, 2010: 107).
A verdade. Outro valor
magno circulando como um sumptuoso iate vazio. Quantas vezes te menti para ser
fiel à verdade do meu amor por ti. Ou do teu amor por mim, o que vai dar no
mesmo (PEDROSA, 2010: 125).
Anjo que tardas, minha lotaria,
dá-me tuas asas que eu dou-te alegria. Anjo sem casa nem sabedoria, balda-te ao
céu, faz-me companhia. Anjo fugido, de cabeça esguia, pousa no meu colo e
diz-me “bom dia.”. Anjo enganado, cor da minha vida, volta para meu lado ou
dá-me uma saída. Anjo do escuro, pássaro sem medo, leva as minhas penas, dá-me
o teu segredo (PEDROSA, 2010: 126).